Ficheiro de citações bibliográficas sobre a obra de Fernando Pessoa

Epicurismo

«A poesia de Reis acusa a influência imediata de Horácio, poeta que temperou com a ética estóica a doutrina de Epicuro. [...] Reis como Horácio fundam a sua filosofia prática na reflexão sobre o fluir do tempo, a inanidade dos bens terrenos, os enganos da Fortuna e a morte [...] A lúcida abstinência epicurista não permite alegria, produz, quando muito, um calmo contentamento.
...a moderação nos desejos e nos prazeres, as delícias do viver campestre, a vantagem em iludir o sofrimento com o vinho e o espectáculo das flores.
Embora com tintas de estoicismo, devidas talvez ao facto de ser Horácio o seu autor de cabeceira, Reis formula uma filosofia de vida cuja orientação é, na verdade, epicurista [...]. O homem de sabedoria edifica-se, conquista a autonomia interior na restrita área de liberdade que lhe ficou. Essa conquista começa por um acto de abdicação: «Abdica / E sê rei de ti próprio». Reis propõe-se e propõe-nos um duro esforço se autodisciplina. O primeiro objectivo é a submissão voluntária a um destino involuntário, que deste modo cumprimos altivamente, sem um queixume: «Teu íntimo destino involuntário / Cumpre alto. Sê teu filho». O homem de sabedoria chega a antecipar-se ao próprio destino, aceitando livremente a morte: «E quando entremos pela noite dentro / Pelo nosso pé entremos». O segundo objectivo é evitar as ciladas da Fortuna, depurando a alma de instintos e paixões que nos prendam ao transitório, alienando a nossa vida. Com Epicuro, o filósofo da «cariciosa voz terrestre», que via tranquilamente a vida «à distância a que está», digno como um deus, aprendeu Reis que a ataraxia é a primeira condição de felicidade. A ataraxia, note-se, não implica para Epicuro ausência de prazer mas indiferença perante todo o prazer que nos compromete, colocando-nos na dependência dos outros ou das coisas. Além da sensação elementar de existir, os prazeres tipicamente epicuristas são espirituais, como a volúpia levemente melancólica de recordar os bons momentos do passado.»
Jacinto do Prado Coelho. Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa. Lisboa: Verbo, 1973, p .22/25/35-36