Ficheiro de citações bibliográficas sobre a obra de Fernando Pessoa

Obras

«Pessoa não escreveu livros como habitualmente os escritores escrevem: respondendo a solicitações editoriais ou levando a cabo, por sua conta e risco, uma determinada obra previamente planeada. Pessoa ia-se escrevendo - por assim dizer - ao longo da sua vida, porque era isso a sua mais vital respiração. Mesmo quando era movido pelo impulso de publicar, respondendo ao circunstancial estímulo de intervir na vida cultural dessa pátria-língua-portuguesa de que tinha escolhido ser cidadão, acabava as mais das vezes por meter os escritos na arca, esmagado pelos obstáculos do real quotidiano. Pessoa nunca empreendeu escrever um livro como quem se põe a construir uma obra, de alvenaria ou de papel, de que se faz, depois, registo de propriedade. Escrevia-se, estilhaçadamente, ao sabor da inspiração e na pessoa desses «outros» em que ao longo da vida se desdobrou. [...]
Exprimir-se, no dia a dia, ao sabor da diversidade desses «pessoas» pelos quais se sentia mais do que repartido, multiplicado, era abandonar-se a um tropismo aparentemente desagregador mas que, afinal, o conduzia à unidade do Ser.
«Alma errante», de si próprio «viandante» - como disse - a sua vida que foi a sua obra -como também disse - passou-se viajando de texto para texto, de pessoa para pessoa. Dessa «alma errante» escreveu, no mesmo poema, que era «uma canção de viagem». Essa «viagem» pelo mundo de que se considerou «hóspede e peregrino» só acabou mesmo quando chegou o tal «Comboio Definitivo» de que fala Álvaro de Campos. Só então o microcosmos que é a obra pessoana ficou, de facto, concluído. A palavra «Fim» só mesmo a mão da Morte a podia escrever nessa obra-vida.
Ficou assim para quem cá ficou a descomunal tarefa de se haver com as passagens soltas da «canção de viagem» que pela vida foi trauteando, com mais aflição que alegria. Concluída essa vida-obra, é inevitável procurar a sua unidade para a poder entender, isto é, fruir, em todo o seu alcance.»
Teresa Rita Lopes. Pessoa Inédito. Lisboa: Livros Horizonte, 1993, pp. 17-18.