Ficheiro de citações bibliográficas sobre a obra de Fernando Pessoa

Estilo - Campos vs Caeiro

«Tanto Álvaro de Campos como o seu mestre são versibilistas, independentes, rasgadamente inovadores, sem qualquer escrúpulo em transpor as fronteiras tradicionais entre prosa e poesia. Ambos empregam uma linguagem bastante próxima do falar quotidiano, quer pela natureza do vocabulário quer pelo desenho das frases; ambos misturam termos cultos abstractos de matiz psicológico ou metafísico com palavras de conteúdo trivial, familiar, e primam nas associações imprevistas da realidade moral com a realidade concreta corriqueira; ambos dão livre curso ao pensamento, interrogando retoricamente, exclamando, recorrendo a giros sintácticos que imprimem vivacidade e ênfase persuasiva à linguagem.
[...] Não precisando dos ingredientes verbais necessários para descrever o rodopio das sensações imaginadas de Campos, Caeiro satisfaz-se calmamente com o manejo hábil dum número reduzido de vocábulos, o que aliás provoca uma impressão de monótona pobreza condizente com a mentalidade supostamente primitiva do mestre não livresco. Por outro lado, o retorno e as combinações das mesmas palavras ou séries de palavras compensam de algum modo a falta de rima, tanto mais que estas podem repetir-se não apenas dentro dos versos como no final dos versos [...]
O ideal estilístico de Caeiro, mais de uma vez expresso nos seus poemas, requer a espontaneidade lisa, a palavra directa, encostada à ideia, a formulação natural, viril e fluente, «como se escrever fosse uma coisa que lhe acontecesse / como dar-lhe o sol de fora» [...]
Campos é mais torrencial, principalmente na sua fase épica, e em qualquer caso mais nervoso, mais convulso, ou não escrevesse ele muitas vezes entre os silvos das máquinas, «engenheiro à força». Só por excepção é axiomático, a exemplo de Caeiro: "Toda a manhã que raia, raia sempre no mesmo lugar". Os seus momentos orgíacos, de delírio de imaginação, obrigam-no a um ritmo amplo, em que as palavras se sucedem desordenamente, em caudal, encadeadas pela aliteração ou pela rima interior, repetidas quando não ocorrem outras, mas repetidas porque o ritmo exige [...]»
Jacinto do Prado Coelho. Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa. Lisboa: Verbo, 1973, p. 137-138