Ficheiro de citações bibliográficas sobre a obra de Fernando Pessoa

Morte

«O que acontece a seguir passou a fazer parte da lenda. A 29, pede papel e lápis. Escreve, num inglês pouco habitual: «I know not what tomorrow will bring». Esta folha de papel foi conservada, e podemos ver a inscrição reproduzida na Fotobiografia. No dia 30 à tarde, como acontece muitas vezes, há uma recuperação. O doente sente-se melhor. Mas logo o seu estado se agrava de novo. Pelas oito horas da noite, sente a impressão de que um véu lhe desceu sobre os olhos; segundo Gaspar Simões, terá pedido à enfermeira, ou a um amigo presente: «Dá-me os óculos». Se de facto as pronunciou, estas são as suas últimas palavras; e, tal como para as suas últimas palavras escritas, podemos dar-lhes uma interpretação simbólica e glosá-las indefinidamente. A sua última frase escrita, «Não sei o que amanhã trará», deixa sem resposta a questão de se saber se é a visão Caeiro, que postula o nada, ou a visão Rosa-Cruz, aberta a uma vida nova, que o acontecimento agora tão próximo vai certificar. As últimas palavras e o último gesto que elas pressupõem, a mão estendida para os óculos, para ver bem, lembram-nos Goethe: «mehr Licht», «mais luz!». Momentos depois, isto é, pelas vinte e trinta, morre, enfim, rodeado pelos médicos Jaime Neves e Alberto Carvalho e por uma enfermeira. Tão cedo: tem quarenta e sete anos.»
Robert Bréchon. Estranho Estrangeiro - Uma biografia de Fernando Pessoa. Lisboa: Quetzal, 1996, p. 569.