Ficheiro de citações bibliográficas sobre a obra de Fernando Pessoa

O Marinheiro

«Bastaram a Pessoa dois dias, 11 e 12 de Setembro de 1913, para escrever O Marinheiro, «drama estático» em prosa, que ilustra perfeitamente a sua teoria de «teatro de almas» e se distingue de toda a produção dramática contemporânea. Propô-lo a Álvaro Pinto para A Águia. Não é de espantar que o director da revista «saudosista» não tenha entendido nada. A sua recusa de publicar a peça servirá de pretexto a Pessoa para romper com A Águia e com o movimento da «Renascença Portuguesa». O jovem autor dramático atribui tal importância a esta obra que é ela, mais do que qualquer outra em verso ou em prosa, que vai escolher para aparecer com o seu nome, dois anos depois, no primeiro número de Orpheu.[...]
O Marinheiro é antes de mais nada o espectáculo de um espaço não situado, de um não-lugar, lugar psíquico mais do que terrestre, como se estivéssemos dentro de um cérebro; e a sensação de um tempo fora do tempo, de um tempo suspenso, que não passa: o passado é irreal, o futuro proibido, o presente impossível, visto que desaparece gradualmente. Aquele lugar de onde a verdadeira vida está ausente e aquele tempo de uma espera sem esperança definem uma situação espiritual que, aqui, constitui a acção dramática. Ela assemelha-se à que é descrita em duas ou três peças, cujo parentesco com esta já foi sublinhado pelos críticos: uma, Les Aveugles, de Maeterlinck (1890), forneceu o modelo formal dessa acção dramática; a outra, A Espera de Godot ( 1953), parece ser uma réplica metafísica dela, embora Beckett não tenha por certo conhecido Pessoa.»
Robert Bréchon. Estranho Estrangeiro - Uma biografia de Fernando Pessoa. Lisboa: Quetzal, 1996, pp. 188-190.