Ficheiro de citações bibliográficas sobre a obra de Fernando Pessoa

Ophélia


«No estudo que se segue à sua edição de 1978 das Cartas de Amor, David Mourão-Ferreira atribui a responsabilidade do fracasso desta aventura amorosa à presença e à intervenção constantes de Álvaro de Campos. Chega ao ponto de sugerir que o par Ofélia-Fernando era na realidade uma relação a três. Esta situação é muito mais perceptível na ligação de 1929-1930. A tragédia, para Ofélia, é que tem de lidar com uma personalidade dupla, da qual ama a face clara, identificada com o próprio Pessoa, e teme e detesta a face obscura, identificada com Campos. E, para Pessoa, a tragédia consiste em estar dilacerado entre um desejo desincarnado, platónico ou angélico, como o do Alexander Search da sua juventude («We would have no sex, would feel no love»), e um desejo sado-masoquista-pedófilo (Ofélia, com quase trinta anos, pequena e miudinha, tem ainda um lado «menineiro»), semelhante ao do pirata da Ode Marítima («o apetite quasi do paladar, do saque / Da chacina inútil de mulheres e de crianças»). A tragédia - e aqui reside sem dúvida o fundo das coisas - é que Campos, ainda há pouco um satélite da consciência de Pessoa, parece ser o centro dessa consciência, como se o ortónimo se tivesse tornado num heterónimo do seu heterónimo.»
Robert Bréchon. Estranho Estrangeiro - Uma biografia de Fernando Pessoa. Lisboa: Quetzal, 1996, pp. 477-478.