Ficheiro de citações bibliográficas sobre a obra de Fernando Pessoa

Tempo

«[...] o tema do fluir do tempo, expresso normalmente pelo símbolo do rio, é comum a Caeiro, Álvaro de Campos e Fernando Pessoa.
Caeiro sabe que as bolas de sabão são "claras, inúteis e passageiras como a natureza"; pede à ave que passa que o ensine a passar; contenta-se hedonisticamente com "sentir a vida correr por ele como um rio por seu leito" e goza a constante mudança das coisas como fonte de variedade que é: «a Natureza de ontem não é Natureza. / O que foi não é nada, e lembrar é não ver».
Sem a calma olímpica do Mestre, Campos é nervoso e exclamativo: «Ó enigma visível do tempo, o nada vivo em que estamos!» repisa as palavras para sugerir o peso dos instantes que passam: «Parece que passam sem ver-me os instantes, / Mas passam sem que o seu passo seja leve...». Dirige-se ao rio como companheiro de viagem: «Água do rio, correndo suja e fria, / Eu passo como tu sem mais valer...». [...]
[...] Para Fernando Pessoa recordar não é reviver, é apenas verificar com dor que fomos outra coisa cuja realidade essencial não é permitido recuperar. Vimos da sombra e vamos para a sombra. Só o presente é nosso, mas o que é o presente senão a linha ideal que separa o passado do futuro?»
Jacinto do Prado Coelho. Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa. Lisboa: Verbo, 1973, p. 94-96