Ficheiro de citações bibliográficas sobre a obra de Fernando Pessoa

Paúis


«Uma coisa é preciso reter, contudo, deste esforço de Fernando Pessoa para se adaptar à estética da poesia por ele próprio proclamada a «nova poesia portuguesa». A originalidade de Paúis é incontestável. Eis uma composição inconfundível com as dos «saudosistas».
Distingue-se de todas as composições dos poetas contemporâneos de A Águia, quer «saudosistas» quer «lusitanistas». Nada existia, mesmo, então, na poesia portuguesa que lhe servisse de paradigma. Fernando Pessoa, no seu consciente esforço para se adaptar à estética que expusera, estética esta, realmente, em parte inspirada na obra dos principais «saudosistas», em parte intuída na sua própria presciência do que viria a ser, mais tarde ou mais cedo, a sua mesma poesia original, dera corpo a uma orientação poética que outros, que não ele, iriam superiormente cultivar.
Composta em Março de 1913, a poesia Paúis, posto que não tivesse sido publicada senão em Fevereiro do ano seguinte - data da estreia literária de Fernando Pessoa como poeta, apenas para «prendre date» talvez, como tantas vezes o aconselhara Mário de Sá-Carneiro -, logo se tornou famosa entre os poetas da roda da Brasileira e do Martinho. Sá-Carneiro, então em Paris, conhece-a, e no manuscrito da sua Dispersão, enviado para Lisboa ao próprio Fernando Pessoa quatro meses depois (Maio de 1914), já havia rasto do estilo literário que ela instituíra - o famoso «paùlismo».
Com efeito, Paúis está na origem da doutrina estética a que a gente do Orpheu veio a chamar «paùlismo». E o «paùlismo», autêntica intelectualização do «saudosismo», não pode deixar de considerar-se uma criação, até certo ponto involuntária, do mesmo Fernando Pessoa. De facto, o elemento intelectual que não comparecia na obra dos «saudosistas», todos emoção e instinto, é o traço distintivo do «paùlismo», pelo menos do «paùlismo» como o concebeu o cerebral cantor de Paúis.»

João Gaspar Simões. Vida e Obra de Fernando Pessoa - História de uma Geração. Lisboa: Bertrand, 1951, pp. 207-208.