Ficheiro de citações bibliográficas sobre a obra de Fernando Pessoa

Personalidade


«Os vinte anos de Pessoa não são a sua melhor idade, e ele não se orgulha deles. Uma, parte dele tem muito mais que vinte anos; outra muito menos. Toda a vida terá de conduzir esta parelha desigual, de uma inteligência tão madura como se fosse já o velho que não. chegará a ser, e de um carácter por amadurecer, que nunca evoluirá. Alguns anos depois dirá: «Atravessei a vida como fantasma da minha própria vida, [...] gémeo da negação de mim mesmo.» Há nele desde sempre qualquer coisa de desfasado. Simplesmente, só começa a ter cada vez mais consciência disso à medida que avança na idade adulta. Daí as suas eternas queixas: «Nenhuma alma é mais amorável ou mais meiga do que a minha, nenhuma alma tão cheia de bondade, de compaixão, de todas as coisas da ternura e do amor. No entanto nenhuma alma está tão solitária como a minha - não solitária, note-se, por razões exteriores, mas por circunstâncias interiores. Quero dizer o seguinte: ao lado da minha grande ternura e bondade entrou no meu carácter um elemento do género inteiramente oposto, um elemento de tristeza, de egocentrismo, de egoísmo portanto, cujo efeito é duplo: o de deturpar e prejudicar o desenvolvimento e o pleno jogo interno daquelas outras qualidades, e o de prejudicar, afectando depressivamente a vontade, o seu pleno jogo externo a sua manifestação. Hei-de assinalar tudo isto um dia hei-de exprimir melhor, discriminar os elementos do meu carácter, já que a minha curiosidade por todas as coisas, ligada à minha curiosidade por mim próprio, conduz à tentativa de entender a minha personalidade». Eis como  Pessoa, aos vinte anos, em vez de se lançar na direcção dos outros, se esconde e se enovela no labirinto do seu ser. »
Robert Bréchon. Estranho Estrangeiro - Uma biografia de Fernando Pessoa. Lisboa: Quetzal, 1996, pp. 117-118.