Ficheiro de citações bibliográficas sobre a obra de Fernando Pessoa

Escritos íntimos

«Os fragmentos de carácter confessional não fascinam por nenhum encanto anedótico; o poeta não gostava de expansões pessoais: «Desprezei sempre o falar de mim, prática socialmente sempre baixa e criticamente sempre errónea». As poucas notas realmente autobiográficas datam, quase todas, da primeira mocidade (e foram, por isso, escritas em inglês), quando o jovem andava à procura do seu destino. Se algo nos surpreende nestes documentos íntimos será a extrema lucidez destas auto-análises doloridas e perscrutadoras. Adivinhamos, através da leitura destas páginas, as grandes crises psíquicas a que Pessoa alude nas cartas aos seus amigos, e reconhecemos nelas a condição prévia da sua produção artística. Elas documentam, além disso - nisto reside o interesse particular do mencionado diário - que não é necessário percorrer o mundo e viver aventuras para ser um poeta genial; a vocação literária de Fernando Pessoa realizava-se dentro de um dia-a-dia apagado e mesquinho. De vez em quando uma poesia, uma crítica ou uma página narrativa - e o resto do dia a traduzir cartas comerciais nos escritórios dos dois Lavados e do Mayer ou conversando com os amigos nos cafés, uma vida de boémia disciplinada: eis a biografia exterior do maior poeta português desde Camões.»
Georg Rudolf Lind. Prefácio a Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação de Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1966, p. XII-XIII