Ficheiro de citações bibliográficas sobre a obra de Fernando Pessoa

Pré-Heterónimos


«O processo de dissociação iniciado na infância, e depois durante as férias em Lisboa e nos Açores, continua então, e torna-se mais complexo. É em 1903-1904 que aparecem novas «personalidades literárias», melhor caracterizadas do que as precedentes. Estes escritores, para dizer a verdade, têm no seu activo mais projectos do que realizações: será, até ao fim, um dos traços mais marcantes da personalidade de Pessoa, talvez a sua maior fraqueza: um jorrar incessante de ideias novas, sem que nenhuma delas tenha o tempo necessário para pousar no espaço limitado de um livro. Mas, enfim, de alguns destes precursores juvenis dos futuros heterónimos, ficaram vestígios suficientes para se ter uma ideia precisa das promessas que não mantiveram completamente.
Nem sempre é fácil identificá-los. De vez em quando muda-lhes o nome, ou então hesita entre dois deles para a atribuição de um poema ou de um texto em prosa. Contudo, sem demasiado risco de erro, podem identificar-se seis ou sete «personalidades literárias» que partilham com Pessoa «ele mesmo» o espaço da sua consciência criadora nesses anos cruciais. Pode-se deixar de lado James Faber, autor virtual de romances policiais (os únicos que interessam a Pessoa) e teórico da «literatura de mistério» inaugurada por Edgar Poe, e na altura ilustrada sobretudo por Conan Doyle. Charles James Search, especialista dos problemas de tradução que sempre preocuparam Pessoa, é apenas a sombra do irmão, Alexander Search, o mais fecundo e original de todos, o mais próximo de Pessoa, de quem é o duplo absoluto, nascido ficticiamente no mesmo dia que ele, 13 de Junho de 1888. Vamos reencontrá-lo depois de 1905 em Lisboa, para onde o seu demiurgo o levará consigo. É ainda o caso de Charles Robert Anon (abreviatura de «Anónimo»), que vimos entrar em polémica no jornal de Durban com o professor Haggard. Este é o mais cínico e o mais violento de toda a «coterie»: um energúmeno, que contrasta com o rapaz bem-educado que é o jovem Pessoa. Mas os seus textos mais significativos são posteriores ao regresso a Lisboa. Talvez ele prefigure Campos. A estes quatro pré-heterónimos ingleses, é preciso acrescentar Jean Seul, o primeiro, desde o Chevalier de Pas, a escrever em francês. Também este reencontraremos em Lisboa depois de 1905.»
Robert Bréchon. Estranho Estrangeiro - Uma biografia de Fernando Pessoa. Lisboa: Quetzal, 1996, pp. 73-74.