Ficheiro de citações bibliográficas sobre a obra de Fernando Pessoa

Ocultismo vs Paganismo


«Enquanto Reis e Mora, seguindo o seu mestre Caeiro, tentam elaborar uma teoria do paganismo, o próprio Pessoa começa a repensar a religião da sua infância à luz das doutrinas que acaba de descobrir. Depressa se desligará da teosofia propriamente dita, demasiado dogmática para seu gosto. Em contrapartida, o seu interesse pela tradição Rosa-Cruz, e depois pelos rituais da Ordem do Templo, vai reforçar-se cada vez mais, até ao fim. Tudo isso, juntamente com a prática do espiritismo em que o iniciou a tia Anica, da astrologia para a qual o seu guia parece ter sido Augusto Ferreira Gomes, e da numerologia, de que lhe fala um outro amigo, Fernando de Lacerda, se insere num mesmo domínio pelo qual muitos outros intelectuais e escritores europeus do seu tempo também se interessaram, de Ouspensky e Gurdjieff a Daumal e Breton. «Há mais coisas à face da terra e no céu do que sonha a nossa filosofia.»
[...] Nada parece mais oposto ao paganismo de Caeiro, Reis e Mora, religião imanente de um mundo finito, do que o ocultismo, «religião-filosofia» transcendente de um mundo infinito. Na carta a Sá-Carneiro, vemos que Pessoa pretende subordinar o ocultismo ao paganismo, como um caso particular de uma forma de pensamento universal. É o que Reis faz com o cristianismo, caso particular do paganismo antigo: Cristo é «mais um deus» no panteão; um deus que, a falar verdade, «faltava» lá. À medida que for progredindo nos seus estudos esotéricos e que for tendo mais consciência de passar do estatuto de «neófito» ao de «adepto», ele vai renunciar a essa ilusão de um sincretismo e procurará, pelo contrário, o que faz a especificidade desse imenso domínio que nunca mais cessará de explorar até morrer.»
Robert Bréchon. Estranho Estrangeiro - Uma biografia de Fernando Pessoa. Lisboa: Quetzal, 1996, pp. 315-316.