Ficheiro de citações bibliográficas sobre a obra de Fernando Pessoa

Sensacionismo

«É precisamente nestas páginas programáticas sobre o Sensacionismo que descobrimos a frase-chave para toda a obra de Fernando Pessoa, a explicação de todas as contradições, a solução de tantos enigmas: «Sentir tudo de todas as maneiras». Outra fórmula-chave repete: «Sê plural como o Universo!». Eis o programa da vida e da arte deste poeta. Com a ajuda destas duas frases podemos desfazer todas as contradições aparentes. O que foi, primordialmente, o impulso cego do seu temperamento de fingidor, tornou-se depois, através dos esforços da reflexão, o pensamento condutor da sua existência artístico-ideológica. Enternecedores nos parecem os conselhos do poeta aos seus companheiros para que sigam a sua esteira, multiplicando as suas personalidades em favor da expressão artística, quando, na verdade, o programa sensacionista fica, na sua substância, intransmissível e pessoalíssimo. Será um programa? Não será, antes, uma regra de comportamento: «Sentir tudo de todas as maneiras», i.e.: passar por tudo sem nunca se ligar a nada, ser tudo ao mesmo tempo e com a mesma legitimação: ser patriota ardente e indiferente perante a pátria e a religião, ser pagão e cristão gnóstico, defender a monarquia ideal e o princípio aristocrático e confessar-se liberal até à medula? Todas estas contradições se dissolvem se lermos atentamente as páginas sobre o Sensacionismo. Não estamos aqui perante uma perigosa relativização de todos os valores ? De certo modo, sim. Mas esta mudança contínua das posições intelectuais justifica-se por ser um método muito pessoal para criar uma nova expressão artística. «Brincar com as ideias» está na base do que podemos chamar o relativismo criador de Pessoa; ele examina todas as possibilidades espirituais da época para extrair delas os elementos para uma nova arte universal, nisso um parente longínquo de Gottfried Benn, seu contemporâneo (1886-1956), o maior poeta entre os expressionistas alemães, que pregou, por volta de 1925, um niilismo criador, fazendo tábua rasa dos valores consagrados para melhor acentuar a permanência eterna da obra de arte. Pessoa é, sem dúvida, um dos expoentes máximos da polivalência intelectual do nosso tempo, um Fausto moderno, procurando a chave para o mistério do ser, a quem nem sequer falta o pequeno pacto com satanás, assinado, por Alexander Search (o «Busca» dos poemas ingleses), com tinta em vez de sangue.»
Georg Rudolf Lind. Prefácio a Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação de Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1966, p. XIV-XVI
Ver Campos sensacionista