Ficheiro de citações bibliográficas sobre a obra de Fernando Pessoa

Escrever

«Escrever é, para o poeta, o gesto de interpretar a escrita-arquétipo da «oculta mão» que, essa, sabe o perfeito desenho que ele é. Escrever é buscar-se.
Assim é que escrever equivale a ler, da mesma forma que contar e representar a história dessa alma múltipla que se lembra de ser, equivale a assistir ao seu desenrolar. Surpreende-se a ser, ao mesmo tempo, escritor e leitor desse conto em que é, simultaneamente, narrador e personagem, assim como autor e espectador desse romance-drama-em-gente em que desempenha o duplo papel de encenador e de actor.
Pessoa escreveu-se ao longo da vida, como quem se manifesta através de um diário em que mais nada pode fazer senão contar-se. «Somos contos contando contos», afirmou, pela boca de Ricardo Reis. O conto que Pessoa contou ao longo da existência é o de um homem que tinha várias almas, ou melhor, duma alma que tinha vários homens. Que as almas têm idades é convicção profunda que partilhou com Mário de Sá-Carneiro. Uma alma única poderá assim acontecer em vários corpos, em diferentes tempos e espaços. A alma que o habita - a da «oculta mão» que desenha o risco do que é - serve-se da sua pena para se lembrar de ter sido outros corpos através dos quais representou o «interlúdio» de viver. Esses que o Poeta tenta visionar e a que dá voz são ele e não são ele. São «figuras minhamente alheias», como diz. Para si reivindica o apagado papel de médium - porque através da sua voz e dos seus gestos elas se manifestam - e de palco, porque aí encenam os seus interlúdios:
«Para criar destruí-me. Tanto me exteriorizei dentro de mim, que dentro de mim não existo senão exteriormente. Sou a cena nua onde passam vários actores representando várias peças».»
Teresa Rita Lopes. Pessoa por Conhecer - Roteiro para uma expedição. Lisboa: Estampa, 1990, p. 155.
* Caderno de notas de Fernando Pessoa [1919-21]: http://purl.pt/13883/1/P71.html