Ficheiro de citações bibliográficas sobre a obra de Fernando Pessoa

Obra-Vida

«Conhecer a vida do homem que foi Pessoa não nos desvia da sua obra, bem pelo contrário No seu caso, ainda mais do que em outros, a vida explica a obra como a obra explica a vida. Elas contêm-se mutuamente. Falou-se da sua «obra-vida» O poeta não quis, como certos estetas, fazer da sua existência uma obra de arte; escolheu, sim, pô-la em cena na sua obra, concebida como uma vasta peça de teatro em que os heterónimos contracenam com ele e entre si. Esta obra é simultaneamente o testemunho da sua vida destroçada e a sua transfiguração. Não conheço vida de escritor que tenha sido tão falhada; e também nenhuma conheço que tenha sido tão transfigurada pela arte.
João Gaspar Simões (1903-1983) foi um dos jovens escritores de Coimbra que redescobriram Pessoa no final da década de 20 e o salvaram definitivamente do esquecimento. Foi por vezes censurado por não ter compreendido a grandeza do génio do poeta de que se tornara discípulo. Mas a verdade é que foi ele quem, de todos os seus próximos, mais fez pela sua glória. O seu livro Vida e Obra de Fernando Pessoa - História de Uma Geração, publicado em 1950, é um monumento. Também eu fui por vezes tentado a sorrir ao ler as suas análises de um freudismo um pouco elementar (apetece dizer: «meu caro Watson»): para Gaspar Simões, o traumatismo afectivo provocado na criança de sete anos pelo novo casamento da mãe explica tudo. Eu inclinava-me mais para a opinião de Jacinto do Prado Coelho: a inquietação metafísica não está reservada aos órfãos de pai cuja mãe se casa outra vez, e o génio poético também não.»
Robert Bréchon. Estranho Estrangeiro - Uma biografia de Fernando Pessoa. Lisboa: Quetzal, 1996, pp. 17-18.