Ficheiro de citações bibliográficas sobre a obra de Fernando Pessoa

Presença

«Em 10 de Março de 1927 aparece em Coimbra o primeiro número de uma revista literária chamada a desempenhar um papel importante, não apenas na vida de Pessoa, mas também na história da literatura portuguesa contemporânea. Presença, «folha  de arte e de crítica», fundada e dirigida por rapazes muito novos (entre os vinte e os vinte e cinco anos), na sua maior parte ainda estudantes, revela, à distância do tempo, ser ao mesmo tempo uma reacção contra a literatura «vanguardista», cujo órgão fora o Orpheu, e, apesar disso, também a continuação, a herdeira ou a realização plena do movimento do Orpheu, e tanto que, nas histórias da literatura, toda a geração da Presença é etiquetada como o «segundo modernismo», sendo que o primeiro fora o de Pessoa e dos seus amigos em 1915. A nova revista não propõe, como o Orpheu, uma revolução estética, mas antes uma regeneração moral. [...]
Se existe um valor comum a todos os escritores do grupo da Presença, aliás muito pouco homogéneo, é o da pessoa humana - o que, segundo as palavras de Gide, deve fazer de cada um de nós «o mais insubstituível dos seres». O editorial do primeiro número da revista, que serve de manifesto do novo movimento, intitula-se Literatura Viva e reivindica essa espécie de personalismo «avant la lettre». Em arte, «é vivo tudo o que é original. É original tudo o que provém da parte mais virgem, mais verdadeira e mais íntima duma personalidade artística. A primeira condição duma obra viva é pois ter uma personalidade e obedecer-lhe.» E este texto inaugural da Presença exige do escritor, antes de mais nada, a sinceridade, o que se opõe tanto ao academismo como à moda, ao espírito de imitação dos epígonos como às aventuras da vanguarda. Esta exigência parece contrariar a estética do Orpheu e de Pessoa, baseada no «fingimento» e na multiplicação do «eu». É, contudo, o chefe do novo movimento, José Régio, autor do editorial que citei, quem vai pela primeira vez absoluta reconhecer, por fim, a grandeza de Pessoa e, de certo modo, prestar-lhe vassalagem. E são os seus amigos João Gaspar Simões e Adolfo Casais Monteiro quem, tanto no fim da sua vida como após a sua morte, o salvarão definitivamente do esquecimento.»
Robert Bréchon. Estranho Estrangeiro - Uma biografia de Fernando Pessoa. Lisboa: Quetzal, 1996, pp. 460-462.