Ficheiro de citações bibliográficas sobre a obra de Fernando Pessoa

Erotismo

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«...os seus textos eróticos, tão expressivos e por vezes violentos quanto podem ser, mais não parecem, se considerarmos o conjunto da sua obra, do que uma espuma fervilhante à superfície de um mar morto. Em três quartos desses escritos, em prosa e em verso, o corpo está ausente. Nem mesmo no Pastor Amoroso de Caeiro ou nas Odes por assim dizer báquicas de Reis se encontra, paradoxalmente, qualquer referência a ele. Caeiro fala à bem-amada: «Penso em ti, murmuro o teu nome; e não sou eu: sou feliz.» E Reis diz a Cloé, a Lydia ou a Neera que devem amar-se. Mas um e outro falam como eunucos. Qual a experiência ou inexperiência do amor que encobre a «sexualidade branca» da maior parte da obra? É mais ou menos aceite que Pessoa morreu virgem. Contudo, lembro-me de ter lido há muito tempo, num jornal português, uma entrevista de Francisco Peixoto Bourbon, amigo de Pessoa, onde garantia que o poeta, como qualquer outro homem solteiro do seu meio, frequentava um bordel do Bairro Alto. Esse testemunho fez-me lembrar o episódio do Doutor Fausto em que o herói, que nunca teve relações sexuais, dorme pela primeira e última vez na vida com uma mulher; é uma jovem prostituta judia, sifilítica. Sabe-se que o principal modelo do personagem de Thomas Mann é Nietzsche, cuja vida amorosa é tão enigmática quanto a de Pessoa. Não me desagrada imaginar que o autor da «tragédia subjectiva» de Fausto, grande leitor de Nietzsche desde os vinte anos, tenha tentado pelo menos uma vez provar do fruto que pensava estar-lhe proibido. Este episódio apócrifo da sua vida tanto poderia situar-se no início da sua idade adulta como, mesmo no fim, quando se preparava para dizer adeus a este mundo que tanto odiara e amara. Encontremos acaso um eco disso na cena em que se vê Fausto sair de uma «casa», dizendo para si mesmo: «É isto o amor? Só isto!»»
Robert Bréchon. Estranho Estrangeiro - Uma biografia de Fernando Pessoa. Lisboa: Quetzal, 1996, pp. 123-124.
* Almada Negreiros. Rapaz sentado à janela.