Ficheiro de citações bibliográficas sobre a obra de Fernando Pessoa

Ironia

«Pessoa tem sido entendido de muitas e desvairadas maneiras. Mesmo um dos seus íntimos, João Gaspar Simões, viu nele um blagueur, e, desde esse longínquo dia em que ele se fez substituir pelo Álvaro de Campos para o receber a ele e a José Régio, no café Montanha, nunca mais lhe perdoou nem o tomou a sério. Outros, no pólo oposto, apresentam-no como um iluminado, profeta louco e bruxo recôndito, falando alto através dos subterrâneos das suas crenças e práticas ocultas, destituído dessa capacidade de ironia que ele considerava a marca dos seres civilizados. De facto, num texto publicado em 1928, no Notícias Ilustrado, sobre «O provincianismo português», Pessoa falava precisamente do exercício da ironia como tratamento para o «sindroma provinciano» e dizia que isso implicava «um domínio absoluto da expressão, produto de cultura intensa; e aquilo a que os ingleses chamam detachment - o poder de afastar-se de si mesmo, de dividir-se em dois, produto daquele desenvolvimento da largueza de consciência em que, segundo o historiador alemão Lamprecht, reside a essência da civilização.» Esse detachment outro não é, afinal, que a arte do fingidor: o da «sinceridade traduzida», como também diz.»
Teresa Rita Lopes. Pessoa por Conhecer - Roteiro para uma expedição. Lisboa: Estampa, 1990, p. 55.