Ficheiro de citações bibliográficas sobre a obra de Fernando Pessoa

Introspecção

«O jovem Pessoa aplica à introspecção o método policial que tanto admira em Poe e Conan Doyle. Ele persegue a verdade do seu ser como se de outro se tratasse; incluindo essa própria tendência policial. «I am sorry to say that I feel in myself the indication that if I had been born in Spain some [...] centuries ago, I might have made a very good inquisitor.» Pratica uma espécie de auto-análise selvagem, que nada deve a Freud: ainda não o leu, e nunca será adepto da psicanálise. Esta necessidade incessante de conhecimento e de avaliação de si é já, e ele tem consciência disso, um sintoma de neurose. Jennings encontrou um texto particularmente explícito, Histoire d'une âme, escrito em francês após o seu regresso a Lisboa, em que o jovem, falando de si na terceira pessoa, apresenta o quadro clínico do seu próprio caso. «C'est (sans aucun doute) un neurasthénique vésanique. La neurasthénie vulgaire [...] a, pour ainsi dire, bouleversé une organisation mentale charactéristiquement hystériforme [sic] [...]Ce que je voudrais faire, c'est l'histoire nosologique de Pessoa [...]. À sept ans Pessoa montre déjà ce caractère résérvé, non-infantile, une pondération (non la pondération du bon sens tout à fait bourgeois, mais la pondération mélancolique et intelectuelle, une sériosité) qui étonnent. C'est un solitaire, on le voit bien. Et à tout cela il faut joindre beaucoup de rage impulsive et presque haineuse [...] et beaucoup de peur. On peut résumer le caractère: précocité intellectuelle, imagination prématurément intense, méchanceté, peur, besoin d'isolement. C'est un névropathe en miniature.» Depois, traçando a evolução desse carácter, observa que com o regresso provisório de 1901 a Lisboa se tornou «moins impulsif: le climat et la discipline scolaire l'auraient inhibé».
O «medo», de que fala muitas vezes, não é apenas a timidez (etimologicamente: cobardia) própria da adolescência: Não há dúvida que, como muitos jovens, se acha feio e ridículo.«My short sight [..] aided my unbalanced brain. My imagination misinterpreted the character of their glances [...]. The people in the street laughed: it was at me...» Este medo, que é o de um ser «forte», é «abstracto», mais metafísico que psicológico. O jovem Pessoa parece ter vivido na inteligência e na carne, a partir dessa época, a experiência definida pela fórmula hegeliana famosa que certamente ainda não conhece: cada consciência vem no seguimento da morte da anterior.»
Robert Bréchon. Estranho Estrangeiro - Uma biografia de Fernando Pessoa. Lisboa: Quetzal, 1996, pp. 83-84.