Ficheiro de citações bibliográficas sobre a obra de Fernando Pessoa

Reis - Niilismo

«A filosofia de Reis é um niilismo total. Ele repete incansavelmente, no mesmo tom desencantado, sem qualquer emoção aparente, sem qualquer tremura na voz, que o ser é apenas um clarão fugitivo à beira do nada.

«Nada fica de nada. Nada somos.
Um pouco ao sol e ao ar nos atrasamos
Da irrespirável treva que nos pese
          Da húmida terra imposta,
Cadáveres adiados que procriam.

Leis feitas, estátuas vistas, odes findas -
Tudo tem cova sua. Se nós, carnes
A que um íntimo sol dá sangue, temos
        Poente, porque não elas?
Somos contos contando contos, nada.»

Não somos nada, não temos nada, não fazemos nada que dure. A vida é um breve adiamento da morte. Reis tem uma consciência intensa da brevidade de tudo, da perpétua ameaça do tempo que corre, da fragilidade das nossas obras, que se desfazem em pó ou em fumo como os nossos corpos. Ele soube encontrar imagens grandiosas para cantar a inutilidade de tudo e o esquecimento, a miséria da condição do homem, sujeito ao destino e aos deuses.
[...] Esta visão niilista do mundo e da condição humana é o aspecto mais clássico e talvez mais banal da obra de Reis. Ela poder-lhe-ia inspirar um sentido trágico da vida, fazer dele um revoltado e um imprecador. Mas pelo contrário, ele baseia nesse pessimismo uma ética da aceitação total. Por uma via muito diferente da de Caeiro, ele vai também encontrar a única felicidade possível num «sim» dito à criação. Um «sim» mais ambíguo do que o do seu companheiro, mais carregado de dúvidas e de restrições mentais, sem nada da pretensa inocência do poeta bucólico. O que é mais original em Reis é essa estratégia de uma sabedoria paradoxal que situa a liberdade no coração da servidão e a alegria no coração da infelicidade de existir. Liberdade e alegria tomam a forma da «serenidade», a ataraxia dos Gregos: a imobilidade do eixo em volta do qual gira a roda do tempo.»
Robert Bréchon. Estranho Estrangeiro - Uma biografia de Fernando Pessoa. Lisboa: Quetzal, 1996, pp. 242-244.