Ficheiro de citações bibliográficas sobre a obra de Fernando Pessoa

Pluralidade


Afinal, na obra de Fernando Pessoa a insinceridade não constitui uma conquista: é uma premissa, uma imposição. «Hoje defendo uma cousa, amanhã outra. Mas não creio no que defendo hoje, nem amanhã terei fé no que defenderei. Brincar com as ideias e com os sentimentos pareceu-me sempre o destino superiormente belo». O seu pensamento surge-nos equívoco, sem indiscutível autenticidade, a cada passo suspeitamos de que é o pensamento duma personagem de ficção, chame-se ela Alberto Caeiro ou Álvaro de Campos ou Fernando Pessoa ou ainda (à falta de nome que o subscreva) o mesmo Fernando Pessoa. Noutro inédito agora dado a lume, «Aspectos», decerto destinado ao tal prefácio duma edição de Obras Completas, de novo se afirma a indiferença, a não-adesão, a tudo quanto sente, pensa e escreve: «o autor destas linhas [...] nunca teve uma só personalidade, nem pensou nunca, nem sentiu, senão dramaticamente, isto é, numa pessoa, ou personalidade, suposta, que mais propriamente do que ele próprio pudesse ter esses sentimentos». Num terceiro papel inédito, lemos: «Quando falo com sinceridade, não sei com que sinceridade falo. Sou variamente outro do que um eu que não sei se existe (se é esses outros)».

Jacinto do Prado Coelho. Prefácio a Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação de Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1966, p. XXXIII-XXXIII