Ficheiro de citações bibliográficas sobre a obra de Fernando Pessoa

Teosofia

«Numa carta de 6 de Dezembro de 1915 a Sá-Carneiro, que ficou por acabar - o que explica ter sido encontrada - Pessoa explicava as circunstâncias que o tinham levado a interessar-se pelo ocultismo. Um editor de Lisboa queria criar uma «colecção teosófica e esotérica», composta no essencial por obras inglesas. Conhecendo a sua competência, confiou-lhe a respectiva tradução. Entre os autores a traduzir contavam-se nomeadamente Helena Blavatsky fundadora da escola teosófica contemporânea, e Annie Besant, que adquiriu mais tarde uma reputação universal ao descobrir e apadrinhar Krishnamurti. «Tive de traduzir livros teosóficos. Eu nada, absolutamente nada, conhecia do assunto. Agora, como é natural, conheço a essência do sistema. Abalou-me a um ponto que eu julgaria hoje impossível, tratando-se de qualquer sistema religioso. O carácter extraordinariamente vasto desta religião-filosofia; a noção de força, de domínio, de conhecimento superior e extra-humano que ressumam as obras teosóficas, perturbaram-me muito. Coisa idêntica me acontecera há muito tempo com a leitura de um livro inglês sobre Os Ritos e os Mistérios dos Rosa-Cruz. A possibilidade de que ali, na Teosofia, esteja a verdade real me «hante».[...] Ora, se V. meditar que a teosofia é um sistema ultracristão - no sentido de conter os princípios cristãos elevados a um ponto onde se fundem não sei em que além-Deus - e pensar no que há de fundamentalmente incompatível com o meu paganismo essencial, V. terá o primeiro elemento grave que se acrescentou à minha crise. Se, depois, reparar em que a Teosofia, porque admite todas as religiões, tem um carácter inteiramente parecido com o do paganismo, que admite no seu panteão todos os deuses, V. terá o segundo elemento da minha grave crise de alma. A Teosofia apavora-me pelo seu mistério e pela sua grandeza ocultista, repugna-me pelo seu humanitarismo e apostolismo [...], atrai-me por se parecer tanto com um «paganismo transcendental» [...]. É o horror e a atracção do abismo realizados no além-alma...»»
Robert Bréchon. Estranho Estrangeiro - Uma biografia de Fernando Pessoa. Lisboa: Quetzal, 1996, pp. 314-315.