Ficheiro de citações bibliográficas sobre a obra de Fernando Pessoa

Mãe


«Bernardo Soares, o suposto autor do Livro do Desassossego, escreve no seu diário: «Minha mãe morreu muito cedo, e eu não a cheguei a conhecer...» Ora, sabemos bem que foi o pai que Fernando perdeu, não à nascença mas com cinco anos. Na minha primeira leitura, acreditei numa transposição sem significado de maior, como muitas vezes fazem os romancistas: com efeito, há, como veremos, uma dimensão romanesca no Livro. Mas não. Esta anotação surpreendente ilustra o que se poderá ter passado naquele pequeno cérebro simultaneamente demasiado sensível e complicado para a sua idade. Esta execução simbólica da mãe - que morreu, na realidade, trinta anos mais tarde, e que ele adorou até ao fim significa efectivamente que teve consciência de ter sido ela que, nesse momento, ele perdeu para sempre. Num poema de 1926, O Menino da Sua Mãe, a transposição é ainda mais impressionante: desta vez, foi a mãe que perdeu o filho. O corpo de um jovem soldado, que lembra o Dormeur du val; «de balas trespassado», na erva, «jaz morto e arrefece». «Fita com olhar langue e cego os céus perdidos». Chamavam-lhe «o menino da sua mãe»: é o nome que Maria Madalena dava ao filho.»

Robert Bréchon. Estranho Estrangeiro - Uma biografia de Fernando Pessoa. Lisboa: Quetzal, 1996, p. 38.