Ficheiro de citações bibliográficas sobre a obra de Fernando Pessoa

Tédio

«O tédio, «ce monstre délicat» que Baudelaire ensinou a cantar, é o reverso duma fome de Absoluto que tudo contraria ironicamente. O desejo de viajar, correr mundo, renovar constantemente sensações, corresponde à necessidade de inebriar a alma insatisfeita de quem não encontra na vida motivo para viver. De facto, viajar, na imaginação do poeta, é "ser outro constantemente", "viver de ver somente", não pertencer nem a mim. O espectadorismo, o alhear-se de si, quadram à psicologia dum homem torturado pela auto-análise e inepto para a acção. Mesmo assim é preciso dar os primeiros passos, fazer as malas, subir a prancha... E tudo isso custa tanto! Qualquer coisa prega Fernando Pessoa ao lugar onde está; não o ter aí raízes, porque em toda a parte é um desenraizado; mas o medo de decidir-se, de comprometer-se, o apego ao que se tem, embora o que se tem seja tão pouco [...].»
Jacinto do Prado Coelho. Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa. Lisboa: Verbo, 1973, p. 124