Ficheiro de citações bibliográficas sobre a obra de Fernando Pessoa

Supra-Camões

«E «fatalmente o Grande Poeta, que este movimento gerará, deslocará para segundo plano a figura, até agora primacial, de Camões». Tendo assim profetizado o aparecimento de um «supra-Camões», Pessoa termina por um acto de fé e uma aleluia. «Tenhamos a coragem de ir para aquela louca alegria[...]. Prepara-se em Portugal uma renascença extraordinária, um ressurgimento assombroso.»
Fizeram-se diversas leituras deste texto extravagante. Crespo sublinha-lhe a ironia com razão, mas parece ver aqui apenas uma farsa. Gaspar Simões entende-o como uma amplificação oratória do anúncio do Orpheu e do modernismo. A verdade é mais simples e mais louca. O imenso génio cuja chegada iminente Pessoa prevê, que fará sombra a quatro séculos de poesia portuguesa e através de quem Portugal se elevará, na ordem literária, à categoria das maiores nações do mundo, é sem dúvida ele, o jovem poeta desconhecido. Sem isso, o que escreve não faz qualquer sentido. Por vezes, como que por pudor, finge-se acreditar que ele se toma por um São João Baptista, clamando no deserto e preparando o caminho de Outro, maior, que há-de vir. Mas não, esse Outro é ele. Tudo o que se seguirá na sua obra vai mostrá-lo retrospectivamente, entranhado que está, desde o início, da certeza de ter uma missão sobre-humana a cumprir. Este artigo um pouco pesadão de 1912 é uma primeira mensagem», ao qual virá responder a Mensagem altaneira de 1934. Lido deste modo, ele assume uma grandeza singular.»
Robert Bréchon. Estranho Estrangeiro - Uma biografia de Fernando Pessoa. Lisboa: Quetzal, 1996, pp. 162-163.