Ficheiro de citações bibliográficas sobre a obra de Fernando Pessoa

Decadentismo

«Sentir tudo de todas as maneiras»: mesmo por formular, a divisa de Álvaro de Campos e de Bernardo Soares orienta já a vida do herói de Paul Bourget. E é esse, aos olhos dos bem-pensantes, o pecado por excelência, a fonte da «decadência»: esta ruptura dos diques da moral e da religião, que atribuíam a cada ser e a cada coisa o seu lugar numa ordem imutável. Ao «vago das paixões» do Romantismo sucedeu, nos decadentes, o indefinido do desejo. O nevoeiro, omnipresente nos poemas do Cancioneiro, e que cobre tudo, no final da Mensagem, é o da decadência. Para Pessoa, ela vai ser ao mesmo tempo a delícia da criação poética e a doença mortal da cultura. Ela é o veneno e o seu antídoto. [...], não é virando imediatamente as costas à «decadência» que o poeta vai procurar reconstruir um universo espiritual, mas sim indo até ao fim da crise, até ao fim do nevoeiro, até ao fim da noite, a exemplo dos navegadores portugueses da época dos Descobrimentos. Se não consegue satisfazer-se com o jogo «mórbido» da decadência, não é para acalmar ou se acalmar, para achar o conforto intelectual de uma medida humana, mas sim para voltar a partir para cada vez mais longe em espírito. A sua «modernidade» reside nessa distância, nesse infinito de diferença.»

Robert Bréchon. Estranho Estrangeiro - Uma biografia de Fernando Pessoa. Lisboa: Quetzal, 1996, pp. 143-144.