Ficheiro de citações bibliográficas sobre a obra de Fernando Pessoa

Baldaya

«Deste Raphael Baldaya já Pessoa falava a Mário de Sá-Carneiro nas suas cartas: «a sua encarnação num astrólogo de longas barbas é de morrer a rir» - diz Sá-Carneiro, em carta de 13/2/1916. Mas, como habitualmente, as blagues eram tomadas a sério e este Baldaya teve uma obra consequente.
Foi um astrólogo contestatário, dir-se-ia um Álvaro de Campos disfarçado de astrólogo de longas barbas... (Capaz disso era ele!). Anti-espiritualista se declara, particularmente antiteósofo e contra todas as religiões e filosofias orientais pelo que têm de «vago», de anticientífico. Baldaya é por uma «ciência esotérica verdadeira», como escreve na sua obra Princípios de Metafísica Esotérica. Repugna-lhe tudo o que na Teosofia e noutras atitudes filosófico-religiosas afins representa «cristianização» do «hermetismo». É, ele também, um Pagão-Novo! - para utilizar uma expressão do teórico do Neopaganismo, António Mora. É autor, de facto, de um Tratado da Negação em que assim se exprime: «Há dois princípios em luta: o princípio de Afirmação, de Espiritualidade, de Misticismo, que é o Cristão (para nós, actualmente), e há o de Negação, de Materialidade, de Clareza, que é o Pagão. Lúcifer - o portador da Luz - é símbolo nominal do Espírito que Nega.
É interessantíssimo constatar que Baldaya poderia ser autor do conto filosófico de Pessoa intitulado Hora do Diabo, em que Lúcifer se faz gente e se explica, num longo monólogo, por vezes diálogo com uma mulher que rapta e emprenha (pelo Verbo).
Baldaya é bandarrista: crê no «grande Destino oculto que Portugal tem que cumprir, continuando o que já cumpriu» - como afirma na obra Princípios de Metafísica Esotérica. Aí escreve:
«Portugal é um Ente. Esse ente tem que cumprir um destino. Esse destino involve que as verdades que este livro revela sejam dadas primeiro em português do que em outra língua qualquer.»
A razão «oculta» de ter de escrever em português essas «verdades» anunciando o Quinto Império é que esse império seria o do verbo português. Nesta linha messiânica, Baldaya devia publicar «Trovas de Bandarra em comentário interpretativo - como Pessoa anuncia.
Para ganhar a vida, Raphael Baldaya encarou instalar-se como astrólogo. Como não arranjou nem fundos nem disposição para abrir consultório, pôs um anúncio para fazer horóscopos pelo correio e para vender um livro da sua autoria: A Teoria dos períodos na Astrologia (o horóscopo, como explicita, era feito segundo esta teoria e só na posse deste «manual» podia ser claramente entendido pelo seu leitor). Pessoa - perdão, Baldaya! - não deixava de assegurar no que parece ser a minuta de um anúncio provavelmente nunca enviado para os jornais: «satisfação absoluta garantida.»
Quem sabe se através deste astrólogo Pessoa tentava regressar às suas raízes, a esse quinto avô Sancho Pessoa «salmista e astrólogo» que foi perseguido pela Inquisição...»
Teresa Rita Lopes. Pessoa por Conhecer - Roteiro para uma expedição. Lisboa: Estampa, 1990, pp. 74-75.