Ficheiro de citações bibliográficas sobre a obra de Fernando Pessoa

Bilinguismo

«Tem-se levantado muitas questões sobre o papel do bilinguismo na génese da sua obra. Jorge de Sena pretende que, durante toda a sua vida, pensou em inglês o que escrevia em português; daí o segredo do seu estilo inimitável, tanto em verso como em prosa. Outros dizem quase o contrário: o português, língua materna em sentido literal, era-lhe mais natural do que o inglês, língua adquirida, da qual tinha uma prática sobretudo livresca e que falava e escrevia segundo o seu condiscípulo Ormond, quase demasiado bem, «de uma maneira académica». Jennings resume a sua opinião numa fórmula categórica: «o inglês era para ele a língua do intelecto; o português, a do coração.» O próprio Pessoa, muito mais tarde, ao fazer o elogio de Babel e do bilinguismo, proporá outra divisão na sua profecia do «Quinto Império», que será o reino da cultura: utilizar-se-á o inglês como língua científica e geral, o português como língua literária e especial. Para aprender, ler-se-á em inglês; para sentir, em português. Para ensinar, falar-se-á inglês, e português para se exprimir.»
Todas estas opiniões, incluindo a sua, não esgotam o assunto, que até ao momento foi apenas levemente aflorado pelos especialistas. Eu inclino-me mais para considerar que a utilização do inglês, numa obra em que predomina o português, cria uma distância análoga àquela que os heterónimos cavam entre o poeta e ele mesmo: podemos ler Antinous ou os Sonetos como poemas de um quarto grande heterónimo cuja «máscara» não é um nome, mas uma língua. É necessário, contudo, acrescentar que as duas línguas lhe são igualmente consubstanciais, ao ponto de, ao escrever o rascunho de um texto em prosa, chegar a não se aperceber de que passou de uma língua para a outra.»
Robert Bréchon. Estranho Estrangeiro - Uma biografia de Fernando Pessoa. Lisboa: Quetzal, 1996, pp. 47-48.

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